Este trabalho tem o propósito de discutir a gestão de crises no contexto empresarial e analisar os factores associados à identificação, afecção e actuação e prevenção de crise no contexto empresarial e organizacional. Pretende ser uma linha de pesquisa sobre o tema “Como gerir uma crise”.Para isto, partiu-se de uma revisão bibliográfica sobre a visão sistémica (ou holística) das empresas modernas. A seguir, procurou-se contextualizar a gestão de crise, tendo por base uma análise baseada no autor Carlos Alves.
De acordo com Geus, cit in Caulkin (1997), Quando uma pessoa nasce, pode-se dizer que tem uma expectativa de vida de 70 a 80 anos em muitas regiões do mundo. E as organizações? A média de sobrevivência, é menor que as das pessoas, chegando a 40 ou 50 anos nos países desenvolvidos.
É verdade que nem todos os empreendedores têm a sorte da vida longa para o seu empreendimento. Mas “muitas companhias através dos séculos levam à reconsideração do princípio económico que assegura que toda empresa tem seu surgimento, ascensão e morte”CAULKIN (1997) p. 128. Na maioria dos casos as empresas passam por várias crises, provocadas algumas vezes pela conjuntura económica interna e externa do país, outras vezes por crises de identidade e de gestão interna, morte de fundadores, crises de sucessão, etc.
Como gerir uma crise?
Para ser possível contextualizar o tema crise e gestão de crise, será necessário fazer uma abordagem inicial que clarifique alguns termos, como:
- O que é uma crise?
- Quando começou?
- Porque aconteceu?
- Quem ficou prejudicado?
O que é uma crise?
MITROFF et al. (1996) afirmam que um sistema organizado vivo, tal como uma organização, necessita de ambas as forças integrativas e destrutivas para continuar vivo e a funcionar. A vida de um sistema é sustentada pela paradoxal interacção de ordem e caos, sendo, ao mesmo tempo complementares, competitivos e antagónicos.
Nenhuma empresa pode viver imune a uma crise. A empresa deve estar preparada para reagir no momento em que a crise tem lugar.
Segundo Aurélio (1977),“crise é fase difícil, grave, na evolução das coisas, dos sentimentos, dos factos; é ponto de transição entre uma época de prosperidade e outra de depressão ou vice-versa”. p. 133
Quando começou?
Partindo da definição de crise para uma possível abordagem a esta questão, a crise é um acontecimento inesperado que altera o funcionamento de uma empresa ou negócio, colocando-os numa situação vulnerável que é preciso saber gerir, no sentido de se averiguar o que aconteceu, quando aconteceu, porque aconteceu, quem ficou prejudicado.
Segundo Alves (2007), “A resposta depende em grande medida, da natureza da crise”p.151
Porque aconteceu?
Partindo-se da análise de Alves (2007), “ Geralmente todas as crises, são provocadas por falhas em simultâneo das interacções entre a tecnologia, as pessoas e as organizações”. P. 151
Todas as organizações estão vulneráveis a crises. A diferença é que algumas, mais preparadas, principalmente do ponto de vista da comunicação, administram melhor os problemas. Outras deixam que os factos, ou boatos, destruam a sua reputação. “A maioria das crises de imagem, se bem administrada, pode ser superada […]” (FORNI, 2002, p.363).
Segundo Bisquert, (2005), cit in Alves (2007), p.152, “os factores que intervêm numa situação de crise podem ser múltiplos, sendo os mais significativos:
-as relações antagónicas localizadas em certos pontos da organização;
-o mal-estar institucional;
-a impossibilidade, por parte da organização, de manter o conflito por muito tempo, por razões de sobrevivência;
-o enfraquecimento dos mecanismos de controlo;
-a perda transitória de estabilidade, a qual pode atingir os limites da intolerância.”
Segundo Rosa (2001), p.132-134, as crises podem ser dos seguintes tipos:
- Desastres industriais, explosões, incêndios, contaminações;
- Desastres naturais, tempestades, desmoronamentos;
- Falhas em equipamentos;
- De origem económica, boicotes, greves;
- De reputação – denúncias de corrupção, saída de documentos internos
- Acidentes de trabalho, grandes contaminações
Uma característica comum a todas as crises é que elas não têm local fixo para acontecer. Um desastre ambiental no Brasil, por exemplo, é noticiado também em outros países, e em tempo real. Como diz Mitroff, no passado as crises limitavam-se ao âmbito da comunidade. Hoje, qualquer acidente interfere nas condições ambientais, sociais ou económicos do planeta. Forni (2002).
Para Rosa(2001), “[…] as crises só existem porque vivemos num mundo tão interligado que um problema que, em princípio, diria respeito apenas a uma empresa ou a uma comunidade distante pode adquirir imediatamente uma dimensão muito maior […]” p.24.
A quem afecta?
Para saber enfrentar os desafios de uma crise é necessário compreender a organização, sabendo dessa forma quem são seus público e o impacto potencial sobre a organização. Tão importante quanto isto é compreender também os seus pontos fortes, e mais ainda os seus pontos fracos e as áreas de vulnerabilidade.
Reconhecer uma situação de crise
É preciso deixar claro que o planeamento não tem o objectivo de prevenir um “desastre”, embora no processo de desenvolvimento do plano, a organização possa descobrir as vulnerabilidades e riscos que precisam ser evitados. Pesquisas mostram que as organizações com planeamento de crise superam melhor os momentos de crise - Forni cit in Duarte.
Segundo Alves (2007), para a planificação de crise é necessário centralizar a atenção em quatro questões fundamentais: “ As crises anteriores podem ter provocado a crise anterior; Sinais de advertência da crise e o estado dos mecanismos que a poderiam ter contido ou impedido; factores que podem causar a crise; as partes que podem afectar a crise ou que podem ficar afectadas por ela”. P.154
Tipos de crise
Existe uma diversidade de crises empresariais, abordadas por alguns autores de renome no assunto.
Segundo Mitroff & Pearson( 1997), Cit in Alves (2007)
Existe um conjunto de crises potenciais, tais como: Ataques económicos externos; ataques informáticos externos; avarias; psicopatologias; factores ocupacionais, imagem corporativa e recursos humanos.
De acordo com o Institute for Crisis Management, são quatro os tipos de crise que as empresas podem enfrentar: actos de Deus (tempestades, terramotos, acção vulcânica, etc.), problemas mecânicos (vazamento, rompimento de tubulações, fadiga de materiais, etc.), erros humanos (a válvula errada foi aberta, falta de comunicação sobre o que fazer, etc.) e decisões ou indecisões administrativas (“o problema não é sério”, “ninguém descobrirá”, etc.).
Para Wakefiel as administrativas parecem ser aparentemente fáceis de evitar, entretanto correspondem a 70% das crises enfrentadas pelas organizações.
Rosa concluiu que, independentemente da tipologia utilizada, as crises empresariais estão intrinsecamente ligadas aos valores cultivados por indivíduos que compõem uma sociedade”.
Segundo Kempner:
“Enquanto o primeiro instinto durante uma crise for defensivo, no intuito de esconder qualquer comentário negativo da imprensa, o resultado pode vir a ser mais prejudicial do que o diálogo aberto. Ao calar-se durante as horas cruciais após uma crise, os executivos estarão entregando o controlo da empresa. Ao invés de neutralizar o ataque da opinião pública, a companhia que não oferecer informações pode ser considerada culpada das acusações.”
Fases da crise
De acordo com Mitroff & Pearson (1997),Cit in Alves(2005)reconhecem 5 fases:
Os sistemas de crise:
Segundo Alves (2007), existem 3 sistemas de crise:
- o tecnológico;
- o humano individual
- o organizacional /cultural
Para se analisar a crise é necessário ter em consideração o sistema – MUNDO
Para Rosa, “[…] as crises só existem porque vivemos num mundo tão interligado que um problema que, em princípio, diria respeito apenas a uma empresa ou a uma comunidade distante pode adquirir imediatamente uma dimensão muito maior […]” (ROSA, 2001, p.24).
Grupos de interesse da crise (Stakeholders)
Segundo Alves (2007), são indivíduos que afectam ou são afectados por uma organização específica. O conjunto de Stakeholders relevantes engloba empregados, gerentes e sindicatos. Como também clientes e vendedores.
Independente de como sejam classificadas as crises, há uma coisa que todas as organizações afectadas por elas têm em comum: a necessidade imperiosa de uma resposta administrativa e operacional eficaz, assim como uma comunicação efectiva com as partes interessadas – Stakeholders - internas e externas. Quando acontecem incidentes ou acidentes, as organizações não são julgadas apenas pelo que aconteceu, são julgadas também pela forma como comunicam as suas acções e iniciativas aos diversos Stakeholders. Porém, essa resposta de comunicação não deve ser fundamentada somente nas visões da administração, mas deve levar em conta as percepções, opiniões e expectativas dentro dos grupos de Stakeholders diferentes, uma vez que a percepção da verdade, nesses casos, torna-se a própria verdade. Entretanto, a administração deve considerar qualquer restrição, legal ou não, na disseminação das informações relativas à crise.
Actuação perante a crise - 5 Etapas:
Mitroff&Pearson, (1997) cit in Alves, (2007), consideram que para se conseguir uma boa preparação para uma crise é preciso passar por 5 etapas:
1 Etapa:
Nesta dever-se-á ter em atenção a compreensão do nível mais baixo de preparação na gestão de uma crise, pois é abrangido por preocupações tradicionais e necessidades de segurança.
2 Etapa:
As organizações que se encontram nesta etapa dispõem de um programa para responder a desastres naturais e humanos. Nesta a planificação para a gestão de crise concentra-se nos grupos de interesse das organizações.
3 Etapa:
Nesta etapa as organizações têm desenvolvido procedimentos para um número limitado de crises, nestes procedimentos está incluído quem deve ser avisado e o que fazer sob certas circunstâncias.
4 Etapa:
As organizações neste ponto têm planificações separadas entre as diferentes divisões. Nesta etapa existe planificação, a fase de contenção, recuperação e prevenção. Tem ainda uma equipa de gestão de crise.
5 Etapa:
Nesta etapa as organizações têm grande capacidade de gestão de crise. Dispõem de meios de detecção de sinais, tem acções de contenção de danos, conseguindo desta forma adiantar-se as crises reais.
É preciso deixar claro que o planeamento não tem o objectivo de prevenir um “desastre”, embora no processo de desenvolvimento do plano, a organização possa descobrir as suas vulnerabilidades e os riscos que precisam ser evitados. Pesquisas mostram que as organizações com planeamento de crise superam melhor os momentos de crise - Forni cit in Duarte(2003).
Conclusão
Crises, por natureza, são geralmente complexas e extremamente dinâmicas. Elas deixam apenas uma pequena janela de oportunidade para se fazer a coisa certa. Ter o comité de crise no lugar e na hora certa, é o passo mais importante que a organização deve dar na administração de uma crise potencial. Se a organização administra bem a comunicação de uma crise, com integridade, credibilidade, transparência e profissionalismo, a sua reputação até pode melhorar. As pessoas entendem que acidentes e incidentes podem acontecer com qualquer organização. O que diferencia é a forma com que as empresas se colocam ao assumir ou não as responsabilidades, as acções que são adoptadas para minimizar os impactos provocados e como conduzem o período de crise – abordagem está em consonância em toda a literatura pesquisada para a elaboração deste artigo.
Para uma organização em crise, sempre haverá uma perda, a questão será qual a extensão dessa perda. E a extensão é directamente proporcional a dois factores críticos. O primeiro é a habilidade da organização em lidar com a crise como um assunto empresarial – a habilidade para agir prontamente de forma a deixar a crise sob controlo. O segundo factor é a habilidade da organização em reunir e utilizar a informação com seus públicos internos e externos. A maioria das organizações pode administrar o primeiro factor, porém, surpreendentemente, algumas não estão preparadas para administrar o fluxo de informação efectivamente. Nesses casos, aparecem os “buracos” de comunicação, diferenças entre o que é dito e o que é esperado pelos públicos da companhia.
“Só o Grande Espírito dispõe das forças do céu e da terra e as reparte como muito bem lhe apraz”Scheurmann(1999).p.49, como estamos longe de ser o Grande Espírito, tenhamos em conta o “Sempre Alerta” é o lema dos escoteiros, que os profissionais de gestão de crise deveriam tomar emprestado, esse o único caminho para que as acções a serem tomadas em momentos de crise sejam mais consistentes, conscientes e menos improvisadas, com maior assertividade.
Anexo
Exemplo de caso real
Para enriquecer o artigo e ratificar o seu conteúdo, é apresentado a seguir o caso da Tylenol, registado pela revista Exame, em Janeiro de 2000:
“Em 28 de Setembro de 1982, a Johnson & Johnson possuía 35% do mercado de analgésicos nos Estados Unidos, com vendas anuais de 400 milhões de dólares. Entre 29 de Setembro e 1º de Outubro daquele mesmo ano, sete pessoas morreram envenenadas após ingerir Tylenol contaminado com cianeto. As vendas do remédio caíram de 33 milhões de dólares para 4 milhões de dólares por mês.
A J&J agiu com prontidão: 22 milhões de frascos do medicamento foram retirados do mercado e destruídos, a um custo de 100 milhões de dólares. Um sistema de comunicações foi montado para informar os diversos públicos interessados. A empresa recebeu por volta de 2.500 solicitações de informações da imprensa, o que resultou em cerca de 125.000 recortes de notícias na média ao redor do mundo. Um acordo, cujo valor jamais veio a público, foi feito com as famílias das sete vítimas. Outros 100 milhões de dólares foram gastos com a parte fiscal da devolução dos medicamentos.
No total, estima-se que o caso Tylenol custou à J&J, até hoje, cerca de 1,5 bilhão de dólares. Mas poderia ser ainda pior: poderia ter derrubado completamente a empresa.
O eficiente trabalho de comunicação e gerenciamento de crise no caso Tylenol serviu de modelo para a criação de programas de gerenciamento de crise em empresas de todos os sectores em todo o mundo.”
Bibliografia
Alves, Carlos. (2007). Comportamento organizacional – a gestão de crise nas organizações. Escolar Editora: Lisboa
Aurélio (1997). Minidicionário da Língua Portuguesa. Editora Nova Fronteira: Rio de Janeiro.
Caulkin, Simon(1997). Em busca da imortalidade. HSM Management: São Paulo.
Duarte, Jorge.(2003). Assessoria de Imprensa e Relacionamento com a Mídia. Editora Atlas: São Paulo.
Forni, João José. Comunicação em tempo de crise. In: DUARTE(2003),Jorge. Assessoria de imprensa e relacionamento com a mídia - Teoria e técnica. 2a. Ed. Atlas: São Paulo.
Kempner, M. W. Como lidar com a imprensa numa crise. HSM Management
Mitroff, Ian I; Pearson, Christine M.& Harrington, L. Katharine (1996) The essential guide to managing corporate crisies – a step-by-step handbook for surviving major catastrophes. New York: Oxford University Press.
Rosa, Mário(2001). A Síndrome de Aquiles - Como lidar com as crises de imagem. Editora Gente: São Paulo
Scheurmann, E.(1999). O Papalagui – discursos de tuivii, chefe de tribo de tiavéa nos mares do sul. Edições Antígona: Lisboa
WAKEFIELD, Robert. (1999) Management of the communication process in light of crisis potential. Trabalho apresentado no III Fórum Ibero-americano de Relações Públicas: Porto Alegre.
Por: Maria João Romão Viana, Licenciada em Psicopedagogia Clínica, pela Universidade Lusófona, e actualmente a frequentar a licenciatura de Psicologia na mesma universidade, levou acabo várias experiências de observação e intervenção da psicologia em grupos e no contexto organizacional. Sócia do Clube de Investidores Right Side Club, faz ai a sua estreia como investidora e estudiosa do comportamento das massas por contágio emocional no mercado de capitais.