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O chumbo do Orçamento de Estado

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Nas últimas semanas tem subsistido a dúvida se a não aprovação do Orçamento de Estado para 2011 teria um impacto negativo no mercado de acções português.

A resposta imediata é que a medida, por si só, não teria efeitos de longo prazo, assentando numa proposição de “neutralidade”. Já no curtíssimo prazo, talvez poucos dias, o mercado poderá reflectir a acção política de chumbar o Orçamento de Estado, na medida em que tal representaria um aumento da incerteza dos retornos do investimento perante a possibilidade de um futuro incerto e autónomo à vontade dos investidores susceptível de originar prejuízos.

Existe a noção generalizada pelos practitioners e pela imprensa especializada em finanças de que a não aprovação do Orçamento de Estado e, em particular, a não implementação de medidas eficazes de combate à situação crónica do défice orçamental, poderá originar um agravamento do risco do país impondo-lhe maior custo no acesso ao crédito, resultando num aumento das taxas de juro e, eventualmente, com tudo isso, a queda das bolsas, a deterioração da economia… Enfim, um verdadeiro cataclismo.

É certo que um agravamento do risco do país e, consequentemente, do custo da dívida pública, tem, ceteris paribus, impacto na avaliação do justo valor das empresas, na medida em que o aumento do risco do país (country risk) aumenta o custo dos capitais próprios (na óptica dos shareholders) e aumenta o custo da dívida (na óptica dos debtholders), aumentando assim a taxa de desconto,

diluidora dos futuros fluxos de caixa passíveis de serem gerados pela empresa (diminuído o present value); para além de outros eventuais efeitos negativos ao nível do consumo e da procura de habitação.

Note-se que o consumo se reduz em função do aumento das taxas de juro (com aumento das taxas de juro no crédito à habitação e no crédito ao consumo, não necessariamente por via do indexante – sendo comum em Portugal usar a Euribor – mas por via do aumento dos spreads praticados pelos bancos), tendo em conta o aumento do serviço da dívida e o seu efeito no rendimento (efeito directo) e na menor procura de habitação (aumento das taxas e restrição de crédito) levando à quebra de preços das casas (e eventual aperto no crédito) com a consequente diminuição da riqueza originando uma diminuição no consumo (efeito indirecto).

Aceitando esta assumpção e acreditando que o mercado é eficiente o suficiente para ser capaz de descontar todos estes efeitos no preço das acções, seria de aceitar que a ineficiência no combate à acumulação de dívida (seja por via da despesa e/ou da receita), traduzida pela ideia da não aprovação do Orçamento de Estado, afecte o crescimento económico com impacto no mercado de acções. A própria confiança dos investidores espectavelmente seria afectada por uma medida deste género.

Existe bastante literatura, desde Greenspan (1995), Hall & Taylor (1993), Ball and Mankiw (1995), a Agarwal (1981) que avançam com explicações sobre o eventual impacto do défice no mercado de acções, nomeadamente no que diz respeito às taxas de juro e à inflação e ao eventual impacto destas no valor das empresas. Todos acabam por concordar que os efeitos inflacionários resultantes dos movimentos das taxas de juro e vice-versa são neutrais ou indeterminados ao nível do preço das acções, pois se por um lado a redução do consumo e da procura do crédito à habitação pode traduzir-se em expectativas de efeitos deflacionários com uma expectável quebra nos lucros futuros das empresas, baixando o seu valor, por outro lado a descida das taxas de juro (política monetária expansionista) em função da ameaça deflacionária acaba por baixar o custo da dívida aumentando o valor presente da empresa. Na perspectiva inversa, expectativas de inflação aumentam a expectativa de aumento dos cash flows futuros das empresas, assim como do custo da dívida com taxas de juro mais elevadas.

Adrangi & Allender (1998) concluíram, em resultado da investigação empírica sobre em que medida o défice orçamental em percentagem do PIB pode causar alterações nos preços das acções, que o mercado americano, entre 1974 e 1995, evidenciou uma efeito inverso entre a redução do défice e os retornos nas acções.

No entanto, Portugal, não tem a possibilidade de controlar os efeitos inflacionistas ou controlar a dívida por via da desvalorização da moeda e/ou aumento das taxas de juro, pois é uma política que cabe ao BCE (decidir sobre a emissão de moeda ou dos níveis das taxas de juro), daí que talvez esse efeito registado nos EUA possa não ser encontrado no mercado português.

Na verdade, os mesmo autores não encontraram essa mesma evidência registada nos EUA, para o mercado Francês, Alemão e Japonês, onde as alterações do défice não parecem afectar os preços das acções.

Neste sentido, tudo leva a crer que a não aprovação do Orçamento de Estado é incapaz de, por si só e no longo prazo, ser a justificação para uma queda do mercado accionista; apesar de ser previsível a ocorrência dessa queda, derivada da incerteza relativamente ao futuro (em face da crise financeira e económica vigente) que agrava os mercados financeiros em geral, da restrição do crédito que parece estar longe de ser resolvida e que afecta os níveis de produção e emprego, derivado de maiores encargos com o serviço da dívida e da queda dos rendimentos, em particular nas micro, pequenas e médias empresas que têm um acesso menos fácil ao mercado de crédito.

A bolsa portuguesa pode quase ser considerada um mercado periférico que anda a reboque de outros mercados, mais não seja pela forte correlação do índice português com índice de mercados mais evoluídos, nomeadamente o Dax (índice do mercado alemão). Logo, a médio longo prazo, deverá responder mais ao desempenho das outras praças financeiras, do que às políticas internas do país.

Santa Clara & Valkanov (2003), numa cuidada análise empírica ao mercado americano, chegaram à conclusão que o índice CRSP valorizou 2% acima das Treasury bills a 3 meses sobre a presidência Republicana contra 12% sobre a presidência Democrática, representando um gap de 9% a favor da presidência Democrática.

Já Potrafke (2010) conclui que motivos eleitorais e a ideologia do governo não influenciaram permanentemente o desempenho económico de curto prazo em 21 países da OCDE num período entre 1951-2006.

Por outro lado, o mesmo autor conclui que o crescimento do PIB é maior depois das eleições durante os dois primeiros anos em países com sistemas bi-partidários, onde o crescimento anual do PIB foi maior sobre governos de direita nos anos 50 e entre 1991 e 2006 sobre a alçada de governos mais à esquerda. Tal indica que os ciclos políticos prevalecem mais em países com sistemas bi-partidários pois os eleitores podem punir ou recompensar os partidos políticos em face da performance governamental.

De facto, de acordo com o mesmo autor, seja um governo de esquerda [entenda-se esquerda, neste contexto, não como esquerda radical, mas mais no contexto de um partido socialista] seja de direita, similares medidas fiscais e monetárias deverão ser implementadas em função de similar performance económica no curto prazo, dependendo assim mais do período de implementação do que propriamente da ideologia do partido no governo.

Em conclusão, para a bolsa portuguesa e eventualmente até mesmo para a economia, longe da discussão do mérito das medidas de austeridade apresentadas, talvez o chumbo do Orçamento de Estado e uma precipitação para eleições antecipadas não seja tão péssimo como inicialmente se poderia supor, não obstante tal poder originar pressões de curto prazo derivadas da incerteza proporcionadas por tal acto politico e a continuação do aperto de credito que já se tem vivido.


Por: Octávio Viana, Presidente da Direcção da Associação de Investidores e Analistas Técnicos do Mercado de Capitais

Referências

Adrangi, Bahram; Allender, Mary, “Budget Deficits and Stock Prices: International Evidence”, Journal of Economics and Finance, Volume 22, N.º 2-3, 1998, 57-66

Alesina, Alberto, “Macroeconomic policy in a two-party system as a repeated game”, Quartely Journal of Economics 102, 1987, 651-678,

Berg, Tim Oliver, “Cross-country evidence on the relation between stock prices and the current account”, MPRA Paper n.º 23976, 2010

Greenspan, Allen, “What Do Budget Deficits Do? General Discussion”, Budget Deficits and Debt: Issues and Options, edition, Federal Reserve Bank of Kansas City, 1995, 139-149

Potrafke, Niklas, “Political cycles and economic performance in OECD countries: empirical evidence from 1951-2006?, 2010, Unpublished.

Santa-Clara, Pedro; Valkanov, Rossen, “The Presidential Puzzel: Political Cycles and the Stock Market”, The Journal of Finance, Vol.LVIII, n.º 5, Outubro 2003

Outros artigos ou intervenções deste autor relacionados com o tema

25 de Agosto de 2009

Revisão premente da regulação

“…Por fim, se nos EUA e até no Reino Unido, podemos estar mais para lá de meio da crise, em Portugal estamos, possivelmente, mais próximos do seu início. Não será surpresa haver mais desemprego, um défice orçamental acima dos 10% e, a menos que se venha a importar a inflação de outros países, atingirmos novos mínimos na bolsa nacional.”

1 de Setembro de 2007

“É preciso dar formação aos investidores”

“…Um problema que está longe de ser só subprime uma vez que a transformação da dívida de baixa qualidade em dívida de elevada qualidade (estruturados, CDOs, CLOs, etc) foi utilizado para praticamente todos os segmentos de dívida (Alt-A, dívida para LBOs, dívida para commercial real estate, etc). Ou seja, estes riscos foram transferidos da banca para outras instituições menos preparadas lidar com a gestão de risco deste tipo de produtos, o que coloca um problema do risco sistémico. Pelo que apregoar que os fundos portugueses não estão fortemente expostos a este tipo de produtos é querer deixar de olhar para o outro lado da equação, talvez o mais importante, o risco sistémico.

(…)

A última vez que os mesmos tipos de divida hoje populares nos EUA (option ARMs, Interest Only, etc) foram populares, bem como a última vez que foram batidos recordes de endividamento, e a última vez que as desigualdades se aproximaram das de hoje, estávamos no final da década de 1920.”

Disclaimer

Este artigo de opinião não reflecte necessariamente a opinião da ATM - Associação de Investidores e Analistas Técnicos do Mercado de Capitais de onde sou membro dos orgãos sociais e tão-pouco dos restantes membros e das pessoas que contribuíram de alguma forma para este artigo - apesar da influência que algumas delas tiveram no mesmo. Tão pouco este artigo pode ser considerado de carácter politico-partidário.

Last Updated on Friday, 06 May 2011 21:23  

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