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Obrigações a desconto (abaixo do par)

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Até 2007, altura em que começou a crise financeira nos EUA, as obrigações eram consideradas pelos investidores como um activo livre de risco, uma falácia que advinha do facto do valor investido ser reembolsado na maturidade com uma rendibilidade pré-determinada no momento da emissão, por via dos juros fixados. No entanto, a crise financeira, que resultou numa crise económica e que tem colocado em causa as próprias finanças públicas e consequentemente as obrigações do tesouro, acabaram por evidenciar que as obrigações, afinal, não são esse tal activo livre de risco que muitas vezes eram subscritas por via de fundos de investimento, adquiridos pelos aforradores como se de depósitos a prazo se tratassem.

A verdade é que as obrigações são um empréstimo que o subscritor concede a uma determinada entidade, seja esta uma empresa, uma instituição financeira, uma entidade pública ou um Estado e portanto, como qualquer empréstimo, está sujeito a que o emitente não cumpra a sua obrigação perante o credor não pagando os juros periódicos acordados e/ou não reembolse o capital investido em determinada data.

A obrigação não é, por isso, isenta de risco e, essencialmente, distingue-se de uma acção porque a rendibilidade da obrigação é pré-determinada no momento da sua emissão que, com excepção das obrigações perpétuas, tem uma maturidade definida, e não depende da performance financeira do emitente, enquanto a acção, que se perpetua enquanto existir a empresa, depende da distribuição dos resultados da empresa aos accionistas (dividendos) e do seu preço em bolsa e, em caso de liquidação dos bens da empresa, os debtholders (credores) detentores de obrigações têm prioridade sobre os shareholders (accionistas), na medida em que os primeiros são detentores do capital social (portanto co-proprietários) e os segundos detentores de dívida (portanto credores).

Um outro facto, curioso, é a recente corrida dos investidores a obrigações que estão a cotar abaixo do par (o preço de mercado das obrigações é inferior ao valor de reembolso), na expectativa de captarem a diferença entre esse preço e o valor de reembolso acrescido do respectivo cupão (rendimento/taxa de juro da obrigação), o que significa, grosso modo, que se uma obrigação com o reembolso dentro de dois ano a uma taxa de juro anual (taxa do cupão) de 2% e com o preço actual a 90% do seu valor facial, apresenta um potencial rendimento de 14% em dois anos (2% por ano + 10% no reembolso), o que significa uma yield actual de 2.22% e um trm de 5.04%, dando a ideia que estamos perante um negócio da China.

Ora, é por isto que se torna relevante analisar a questão:

1- Em primeiro lugar, há que calcular a “yield to maturity” (taxa de rendimento até à maturidade), trm, que é a taxa de rendimento composta de todos os pagamentos de cupão, acrescidos do ganho (ou perda) de capital (traduzido pela diferença entre o valor facial e o preço de aquisição) que é dada pela seguinte equação resolvida em relação a trm (ou obter o preço justo de aquisição, caso a trm seja conhecida, ao resolver a equação em relação a P):

Yield To Maturity 1.1

Em que:
P = Preço de aquisição
c= cash flow do cupão para o período
trm= taxa de rendibilidade até a maturidade
t= período
B= valor facial (ou de reembolso)

2- Muitos investidores, julgando que detectaram uma ineficiência no mercado, por vezes procuram comprar obrigações que estejam a transaccionar abaixo do par (a “desconto”), na ideia que encontraram uma excelente oportunidade que os institucionais e grandes investidores particulares não viram. A ideia subjacente a esta alegada “ineficiência” que muitos investidores reclamam, é a ideia que falta liquidez ao mercado para comparem essas obrigações ou pessoas a venderem porque necessitam de liquidez. Mas isso não faz sentido, pois o mercado é, normalmente, bastante eficiente, em particular no mercado de obrigações, pelo que não há nenhuma vantagem que os clientes possam explorar que já os institucionais (e outros investidores) não a tenha equacionado e, caso exista de facto uma oportunidade tão descarada, não faltaria liquidez para colmatar a ineficiência caso essa de facto existisse - o que não é o caso na maioria das situações que por vezes se verificam.

O que se passa e não deixando de lado a equação acima, é o seguinte:

a) O preço de mercado de uma obrigação, num mercado eficiente, deve ser igual ao valor de reembolso do valor facial acrescido dos eventuais juros periódicos associados. Dito de outra forma, o preço da obrigação é igual ao benefício económico de todos os direitos que foram adquiridos com a sua compra.

[A equação acima, mais não faz do que somar todos os cash flows gerados pela obrigação (cupões + valor de reembolso) e trazê-los ao valor presente, de tal forma que, independente do valor da trm, a soma de todos esses cash flows ao valor presente, será sempre igual ao valor inicial do investimento, pelo que, independentemente da obrigação poder ser comprada acima ou abaixo do par, o preço desta tende, ceteris paribus (todas as demais variáveis constantes), a aproximar-se do valor facial à medida que se aproxima da maturidade.]

b) Nessas condições, num mercado eficiente, o preço actual da obrigação é o valor correcto de todos os seus benefícios económicos relativamente ao rendimento de aplicações alternativas substitutas próximas, não representando por isso uma vantagem o facto de uma obrigação estar a desconto.

Esta ideia pode ser rapidamente dada pela seguinte expressão:

Se: a taxa do cupão > a yield actual > taxa de rendibilidade até a maturidade
então: o preço de aquisição > valor facial (está a prémio – transaccionado acima do par)

Se: a taxa do cupão < a yield actual < taxa de rendibilidade até a maturidade
então: o preço de aquisição < valor facial (está a desconto – transaccionado abaixo do par)

Se: a taxa do cupão = a yield actual = taxa de rendibilidade até a maturidade
então: o preço de aquisição = valor facial (transaccionado ao valor do par)

Exemplo: Vamos supor que uma obrigação com maturidade a 5 anos, um valor facial de 100€, um cupão à taxa anual de 5% e uma taxa de rendimento até à maturidade de 7.5%. Qual é o preço justo de compra?

Substituindo a equação 1.1., sabendo que o cash flow gerado pela pagamento anual do cupão é 5%, temos então 50€ de cash flow por ano e um valor final (de reembolso) de 100€, trazidos ao valor presente pela trm (7.5%), temos que:

YTM formula alterada I

YTM formula alterada 1.2

Ou seja, o preço justo da obrigação é 89.89€, a que corresponde uma yield actual de 5.56% (50€/89.89€).

Se por outro lado, tivéssemos a trm a 5% e mantendo todas as outras condições iguais, teríamos que:

YTM formula alterada III

YTM formula alterada IV 1.3

O colocaria a obrigação a transaccionar ao par e com uma yield actual de 5%, por isso igual à taxa de cupão e à trm.

Isto permite-nos perceber que o preço das obrigações em mercado, são determinados, essencialmente, por um factor, que é o RISCO que por sua vez é divido em duas classes: O RISCO DA TAXA DE JURO (conforme demonstrado acima e que depende da taxa de juro do mercado para investimentos alternativos em substitutos próximos - por vezes novas emissões da mesma empresa – e risco da inflação, que caso suba, desvaloriza o investimento em termos reais) e o RISCO DE DEFAULT.

O que significa que os clientes que andam a procura de obrigações só porque estão a desconto, enganam-se se acham que encontraram o “Holy Grail“. De facto, o mais provável para que a obrigação esteja a “desconto”, é a trm ter subido por existir um maior risco de incumprimento (default) por parte do emitente, que obriga a emissões com uma taxa de juro mais elevada.

Chegando a este ponto, não se pode deixar de referir que, geralmente, a “Probability of Default” (PD) e a “Loss Given Default” (LGD) aumenta com o aumento da taxa de juro em novas emissões de obrigações no mesmo emitente, pois o mercado costuma ser mais rápido a “repreçar” a obrigação do que as agências de rating a alterarem a notação da empresa.

Por fim, considerando o contexto deste artigo, o mesmo não estaria completo se não finalizasse com a seguinte nota estatística:

- Se consideramos 130 anos de história financeira americana, vemos que desde 1870 até agora, os índices americanos, 93% das vezes, permitiram mais que DUPLICAR o capital investido em 40 anos.

- Um investimento de 1USD por ano durante 40 anos, valeria 180USD se investido no mercado de acordo com o índice no seu momento mais baixo (1932) e 1.200USD se no seu momento mais alto.

- Se consideramos o melhor período (40 anos) das acções (1949-1989), o rendimento por cada 1USD foi: Nas acções 109.6USD, nas obrigações de tesouro 8.2USD, inflação 5.3USD. Ou seja, as acções bateram as obrigações.

- Se consideramos o pior período (40 anos) das acções (1880-1920), o rendimento por cada 1USD foi: Nas acções 7.5USD, nas obrigações de tesouro 3.4USD, inflação 2.6USD. Ou seja, as acções bateram as obrigações.

- Se consideramos o melhor período (40 anos) das obrigações (1958-1998), o rendimento por cada 1USD foi: Nas acções 92.4USD, nas obrigações de tesouro 17.4USD, inflação 5.7USD. Ou seja, as acções bateram as obrigações

NOTA: Os índices norte-americanos, historicamente, em períodos de 40 anos (nos 130 anos de história financeira decorrida), bateram sempre e por larga escala, as obrigações.

Por: Octávio Viana, Presidente da Associação de Investidores e Analistas Técnicos do Mercado de Capitais
www.associacaodeinvestidores.org

Disclaimer

Este artigo reproduz apenas o ponto de vista dos seus autores e não reflecte, necessariamente, a opinião da Associação de Investidores e Analistas Técnicos do Mercado de Capitais (ATM).

Este artigo deve ser entendido como uma opinião, com o objectivo de promover o estudo e a formação financeira. Qualquer uso da presente opinião numa decisão de investimento é feita sem nenhuma garantia.

O utilizador deste estudo assume o risco complete por qualquer uso que faça deste. Em nenhuma circunstância o autor ou a ATM serão responsáveis por danos directos ou indirectos causados pela utilização deste documento, incluindo, sem limitações, qualquer tipo de perdas (efectivas ou de oportunidade) ou outro qualquer incidente ou dano em consequência do seu uso.

Esta artigo de opinião não encerra nenhuma recomendação de compra ou venda e como tal esta opinião não deve ser usada por ninguém como decisão de investimento. O autor ou a ATM não aceitam responsabilidade por qualquer perda ou dano que possa ser originado pelo uso desta opinião.

O autor deste artigo tem posições longas em acções e interesse na subida dos índices S&P500, Dax30 e WIG20. Poderá ter, a qualquer momento, posições curtas em bancos.


Last Updated on Tuesday, 03 May 2011 01:22  

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