O interesse em geral pela Economia, tem vindo a generalizar-se, parte em consequência dos estímulos ao capitalismo popular e parte a um processo natural de crescente transparência e responsabilidade social, inerentes aos deveres de cidadania das empresas. Por outro lado, a opinião pública motiva-se, e consequentemente surge o dever de informar por parte dos meios de comunicação social, (Constituição da República, artºartº38º nº 2 b) e que se impõe também à diligencia ética de um jornalista cumpridor.
Mas, para além dos deveres de responsabilidade social das entidades colectivas do sector público, passou-se também a exigir igual comportamento a certas entidades do sector privado, no âmbito da função social e de cidadania. A fronteira entre o interesse público e a reserva do interesse privado tende a esbater-se nestes casos. Cada vez mais vivemos pois numa Sociedade de paredes de vidro!
No que agora interessa, sobre as empresas, algumas delas, do tipo sociedades anónimas de grande dimensão até por terem muitos accionistas, e serem cotadas em bolsa, ou poderem considerar-se sociedades abertas, ou serem de interesse colectivo, estão afectadas por especiais deveres de exposição pública, que transcendem os interesses dos seus accionistas. Assim se compreendem a protecção do direito de informação de minorias, e os deveres de informação pública ao mercado.
Veja-se a nova redacção do artº 66 do CSC: Anteriormente à modificação de 2006, esta disposição centrava as sociedades num mundo privado ou particular, em que eram relevantes o interesse da sociedade, dos sócios e dos trabalhadores, embora disposições houvesse que acautelavam também o interesse do mercado, e dos credores. Hoje, já não é apenas assim. O artº 66º no seu nº1 b ) já inclui “os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores”, sendo esta enumeração evidentemente exemplificativa.
Acresce que a responsabilidade, no interior da sociedade, não se resume à diligência reforçada dos seus gestores, mas também releva da função do órgão de fiscalização. E o CSC remete em alguns casos para a legislação do Mercado de capitais.
As sociedades não são todas iguais, umas são menos iguais que as outras. Há algumas sociedades que por terem acesso ao mercado de capitais se acham sujeitas a deveres especiais de transparência, como resulta do Código do Mercado de Valores Mobiliários. O interesse a acautelar é o da informação pública, de accionistas e não accionistas, isto é do Mercado.
É o caso das sociedades abertas, descritas no artº 13º do CMVM. Bem se compreende que assim seja, pois em última análise concorrem para a garantia da formação, captação e segurança das poupanças do sistema financeiro previsto no artº 101º da Constituição.
Ora, estas sociedades têm deveres especiais de interesse e ordem pública, e por isso não têm inteira liberdade de auto organização, pois tal matéria não é do interesse exclusivo e privados dos seus accionistas, e assim têm limitações quanto a celebração de acordos parassociais, previstos no artº 19º do CMVM.
Finalmente, prova e contraprova que não se está nas sociedades abertas perante um interesse e um direito meramente privado, é a previsão no mesmo CMVM, artº 31º da possibilidade de acção popular, mesmo fora da esfera dos seus accionistas: ” 1 - Gozam do direito de acção popular para a protecção de interesses individuais homogéneos ou colectivos dos investidores não qualificados em valores mobiliários: …as associações de defesa dos investidores…e as.. fundações, que tenham por fim a protecção dos investidores em valores mobiliários.
Fica a pergunta final…e quanto aos jornalistas que não sejam accionistas, nem estejam em representação de accionistas? Podem assistir a assembleias-gerais de sociedades abertas?
Legalmente não se lhes assiste esse direito. Porém parece-nos bem, e também permitir a presença por direito próprio, das associações de defesa de investidores. Penso ser defensável que a CMVM possa considerar tal possibilidade como uma boa prática favorável à promoção de uma adequada governance nas sociedades abertas, e assim poder recomendar essa solução àquelas empresas. O próprio Estado poderia dar o exemplo nas sociedades de capitais públicos.
Obviamente que permitir aos jornalistas assistir a assembleias-gerais, não os autoriza a manifestarem-se, e muito menos a assumirem outros comportamentos da natureza de accionista. Mas a presença de profissionais de jornalismo, no cumprimento do respectivo código de ética, será uma garantia e antídoto ao inside trading, evitando fugas de informação e a desinformação menos escrupulosa através de accionistas “pintados”.
NOTA: Este artigo foi publicado no Semanário “Expresso” de 21 de Julho de 2007 no suplemento de economia
Por: Luís Nandin de Carvalho, Presidente da Mesa da Assmbleia Geral da ATM e jurisconsulto.