O privado e o privado do público

Sunday, 22 July 2007 22:18 Susana Pereira Moreira
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O direito à informação dos accionistas e do mercado.

Devemos começar por aceitar a relevância da informação e a importância que esta se reveste para efeitos de protecção do investidor, nomeadamente na tomada de uma decisão de investimento.

Quando o cidadão procura uma Sociedade (Aberta) para investir é determinante para a sua decisão patrimonial conhecer as claras, completas e reais condições de mercado de forma a poder formular um juízo fundado sobre o preço dos valores mobiliários que a constituem e as reais perspectivas de lucros. É sobre esta informação que o investidor irá tomar a decisão de investir ou desinvestir.

O conhecimento desta informação, sendo fulcral para a consciência da tomada de decisão, até porque a condiciona pelo seu conteúdo, é obrigatório. A transparência informativa é valor fundamental sobre o qual o investidor faz depender a sua decisão de investimento.

Se não houver dúvidas quanto a assumpção desta premissa, temos de aceitar que a protecção dos investidores passa obrigatoriamente por encontrar medidas que garantam a transparência informativa através da prestação obrigatória de informação. Só assim podemos garantir que os interesses dos investidores estarão salvaguardados pelas verdadeiras disposições jurídicas que obriguem à transparência da informação

Chegando aqui, temos aceite que a informação ao mercado tem de ser completa, actual, objectiva, transparente e que tal deve ser tutelado por um dever jurídico das sociedades.

Há agora que definir o regime de informação:

A informação mais relevante é toda aquela susceptível de influenciar as decisões dos investidores e que só deve ser dispensada quando 1) a divulgação dessa informação vá contra o interesse da própria sociedade e consequentemente dos próprios investidores (ex: segredo de negócio) 2) quando se considere que os interesses dos investidores estão acautelados.

Já vimos que a informação dever ser prestada a todos os investidores da forma mais completa e actual possível, respeitando os interesses da sociedade e dos próprios investidores. Pelo que só se compreende que a mesma seja truncada caso a divulgação dessa informação seja contrária a esses mesmos interesses ou a outros de valor mais elevado (sociedade/pais).

Mas sobre quem cai o dever de informar?

Devemos começar por traçar, em sede informativa, os deveres das sociedades com o capital aberto ao investimento público, ou se quisermos, de forma abreviada, Sociedades Abertas, e, em especial, as Sociedades Cotadas. E temos então os deveres periódicos de informação (ex: contas da sociedade) e os deveres permanentes (toda a restante informação relevante). Importa para o caso (das AG’s) discutir este último:

Tal dever de informação permanente tem o objectivo de trazer para o conhecimento dos investidores actuais e potenciais, os factos ocorridos ao longo da vida da sociedade emitente que possam influenciar a sua situação patrimonial. Neste dever, já consagrado no art. 248.º do Cód.V.M., está contido o da divulgação de factos relevantes.

Nesse exercido, o mais importante é o que constitui a diferença efectiva entre o que está estabelecido no direito mobiliário e no direito societário relativamente ao direito de acesso á informação pelo investidor. É que, no direito mobiliário, segundo a legislação em vigor, não é ao investidor que compete a busca da informação relevante sobre o investimento e a qualidade do emitente, mas antes é a este que é acometida a função de a disponibilizar publicamente e para que todos os interessados possam dela usufruir em condições de equidade temporal e compreensão. O fundamento deste dever encontra-se no princípio de que, nas Sociedades Abertas (cotadas na bolsa), não deve ser imputada ao investidor a obrigatoriedade de aceder, com esforço pessoal, á informação; pelo menos não em esforço diferente daquele que depende para adquirir informação genérica sobre o assunto pois este tipo de informação (relevante) tem de ser tornada pública (art. 5 Cód.V.M). O mesmo já não se sucede no domínio direito societário em que o direito a informação é de exercício pessoal.

Sendo a minha formação académica a gestão, fico sempre condicionada a interpretar estas disposições legais. Mas, apesar desta minha limitação, não tenho dúvidas que o legislador procurou nas Sociedades Abertas e Cotadas, mais do que estabelecer direitos de informação, consagrar reais deveres de informação; o que, sendo coisas parecidas, tem alcances completamente diferentes e que qualquer interveniente no mercado saberá identificar.

Atingindo este ponto, não carece de dúvidas que a informação disponibilizada nas AG’s, enquanto relevante (caso contrario também não chamaria interesse dos jornalistas), é por isso já consagrada no próprio Cód.V.M., e obriga inequivocamente a que o emitente a disponibilize ao mercado de forma pública, rápida e acessível a todos os intervenientes.

O importante é encontrar a melhor forma da informação chegar ao mercado, em particular as disponibilizadas nas AG’s que aqui tratamos.

Será pelos jornalistas?

Bom, se houvesse forma de tudo que se passa nas AG’s ser tornado público por outro meio (ex: internet e em real time) não estaríamos a discutir este assunto. O problema é que até agora ninguém encontrou esse meio e isso constitui uma falha na eficiência do mercado.

E é aqui que chegamos ao mais importante: A eficiência do mercado a e protecção dos investidores.

Todos sabemos, até pela velha Random Walk Theory e a teoria do mercado eficiente, que o mercado só é efectivamente eficiente se toda a informação susceptível de alterar o comportamento dos seus intervenientes, for acessível a todos com a mesma qualidade e ao mesmo tempo, só assim o mercado pode descontar essa informação na cotação (obviamente colocando de lado a possibilidade de inside trading).

Impõe-se, assim, proceder a uma clarificação da 1) qualidade e 2) tempo em que a informação dever ser prestada ao mercado:

1- A qualidade assenta nos critérios de objectividade, imparcialidade, clareza, actualidade e completude que deve orientar um jornalista e que são exigidos também em termos de mercado (Cód.V.M.); 2- Quanto antes possível.

Conseguimos assim completar melhor a ideia que é necessário que a informação relevante seja transparente, actual e completa e rapidamente prestada a todos os agentes do mercado ao mesmo tempo por um veiculo credível e que ofereça garantias de cumprimento destes princípios.

Na situação actual, os jornalistas serão possivelmente os que reúnem as melhores condições para o fazerem. Isto devido às suas orientações de ética e deontologia profissional e ao evidente desinteresse, enquanto não accionista, em qualquer enviesamento da informação. Diria mesmo que o jornalista, em sede informativa, tem melhores condições de imparcialidade e isenção que a própria empresa.

O escrito até aqui dá para perceber que há uma completa falta de “evangelização” sobre este tema, que leva a que muitos encarem a entrada dos jornalistas nas AG’s como um atentando a privacidade de uma Sociedade Privada, ignorando que se tratam de Sociedades Abertas que colhem benefícios no mercado de capitais e que portanto têm também responsabilidades junto daqueles onde se financiam.

Por isso, mais que uma “hard law” o assunto deve passar por um debate serio e profundo sobre as balizas do comportamento do jornalistas, da Sociedade e mesmo do accionista no que respeita à informação discutida e prestada nas AG’s É importante que esse debate permita, antes de mais, mudar culturas e atitudes e fazer com que os agentes entendaem que, apesar dos eventuais pequenos defeitos de uma maior liberdade informativa traduzida pelo acesso dos jornalistas a AG, mais até em termos teóricos do que práticos, que o direito aceder a informação é um beneficio para todos. Não só pelo suplemento de riqueza e segurança que produz para o investidor, mas sobretudo pela liberdade que proporciona em todos os âmbitos. Isto seria sim, aquilo a que se chama Sociedade Aberta Cotada que pela sua definição deve garantir um maior nível de liberdade do que uma qualquer outra sociedade não cotada e não aberta ao publico.

Em face de tudo que foi exposto, não tenho a mínima dúvida que é do interesse colectivo a divulgação do máximo de informação sobre a sociedade, principalmente a relevante, e esse interesse colectivo deve impor-se a um qualquer interesse particular. Pelo que a informação das AG’s, desde que não impliquem prejuízo para a Sociedade, logo investidores, deve ser assegurada de forma eficiente, possivelmente através da presença de jornalistas que não perturbem o regula funcionamento da mesma e nela não intervenham.

Por: Susana Pereira Moreira, Membro da direcção da ATM.


Last Updated on Friday, 06 May 2011 22:32  
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